Crianças Selvagens - 02
Por Claudio Henrique Vila Nova.
II - A Igreja.
Quando eu era menino, minha família ia religiosamente à igreja aos domingos. Eu nunca entendi muito bem o que acontecia lá, o padre falava um monte de coisa, alguns adultos com dificuldade de leitura liam alguns textos e no final eles comiam a hóstia e sempre que eu tentava comer eles me diziam que a hóstia não era pra crianças. Eu não ligava de ir pra igreja, gostava de sair de casa e colocar uma roupa bonita, meus pais nunca me obrigaram e eu nunca sequer pensei em não ir. A coisa era um pouco diferente com o Nerd.
O Nerd entendia alguma coisa daquela igreja que eu não conseguia entender, ele lidava mal com o tédio todo da missa e parecia contrariado sempre que ia. As vezes ele lia algum texto também, aparentemente o pai dele pedia pra ele ler porque ele lia melhor que os adultos. Mas talvez, pedir seja a palavra errada. O pai dele quase não batia nele, o que naquela época e naquele lugar era realmente uma coisa impressionante. Até o meu pai me batia e olha que ele era bem tranquilo. O pai do Nerd não era tranquilo.
Depois de um tempo eu descobri que o Nerd nunca fez questão de ir pra igreja e que na verdade ele fazia muita questão de não ir. Ele odiava a igreja, as pessoas lá dentro e a relação entre elas, o que era dito lá e o que era dito do lado de fora. Na casa do Nerd, aos domingos, seu pai gritava religiosamente. Dizia que não ia rezar pela alma do filho, que ele iria pro inferno e essas coisas. O Nerd nunca acreditou nisso e uma vez me disse que se o céu estivesse mesmo cheio das pessoas que vão pra igreja, ele preferia ir pro inferno. Mas ele ia pra igreja.
O Nerd não tinha muito medo de deus, mas morria de medo do próprio pai. Eu entendi esse medo um pouco melhor quando ouvi algumas histórias do irmão dele e agora que sou adulto acho que ter medo do próprio pai na verdade é uma coisa bastante católica. O Nerd acabou secularizando a doutrina que seu pai lhe ensinara e provavelmente era muito mais católico que todo mundo naquela igreja, ele só não acreditava na parte mágica da coisa toda e nem na salvação.
Na sexta série o Nerd era um ótimo garoto, com um futuro promissor e essas coisas. Isso não durou muito. Quando ele saiu da igreja e entrou pro mundo ele descobriu que no mundo, uma criança inteligente e sem escrúpulos é capaz de qualquer coisa e ai ele arrancou os próprios escrúpulos com as mãos. O Nerd era muito bom em fazer o que precisava ser feito e foi isso que eventualmente acabou com ele, mas esse capítulo é sobre a igreja.
O pai do Nerd era ministro, a namorada dele era da pastoral da criança e isso significava que ele se envolvia muito mais com as coisas da igreja do que eu. Eu só ia lá aos domingos. Não era sempre que a gente se via por lá. As vezes, ele ia na igreja de outra cidade.
A namorada do pai dele tinha família em uma cidade grande que ficava à duas horas de viagem e o pai dele ia religiosamente, a cada quinze dias, com a namorada pra lá. Assim como ele gritava pra que o Nerd fosse pra igreja, ele gritava pra que o Nerd fosse junto na viagem também. E assim como o Nerd odiava ir pra igreja, ele odiava ir pra casa da família da namorada do pai dele. E religiosamente, ele era forçado à ir.
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