Crianças Selvagens - 01

Crianças Selvagens.

Por Claudio Henrique Vila Nova.


I - O meu Trio.


Sabe, uma das coisas que interessante quando você é um garoto que não tem literalmente nenhuma personalidade e é completamente medíocre em tudo que você faz é que você passa despercebido em quase qualquer lugar. Nem sempre isso é bom, mas as vezes é ótimo. Eu cresci em uma pequena cidade onde a lei chegou no máximo uns dois ou três anos antes de mim. Eu não nasci lá e cheguei lá no mesmo dia que um outro garoto. Essa história é sobre ele, como ele viveu e o dia em que ele morreu. 

Eu não vou escrever o nome dele, um pouco porque não importa e outro pouco porque eu não quero. Mas ele tinha um nome pouco comum que se escrevia de um jeito pouco comum. Quase sempre que alguém perguntava ele soletrava primeiro e dizia o nome depois. Raramente alguém que ouvia era capaz de escrever corretamente e ele preferia evitar o trabalho de falar quando sabia que não ia ser entendido. O pessoal chamava ele de Nerd.

No começo chamavam ele de Brinquinho, diferente de mim ele tinha vindo de uma cidade maior e não se parecia em nada com os outros meninos dalí. Era um garoto de cabelos cacheados, escuros e compridos, se você olhasse pra ele de longe era um pouco difícil de saber se ele era um menino ou uma menina, mas mesmo de longe dava pra ver o brinco dourado na orelha esquerda que indicava que ele não era uma menina. Meninas usam brincos nas duas orelhas e naquela cidade, nenhum menino usava brinco. 

Ficamos amigos bem rápido, acho que a coisa de ser crianças que se mudam muito acabou nos unindo. A gente não tinha quase nada em comum e aos poucos fomos nos tornando carne e unha. A gente não ia a lugar nenhum sozinhos e fui eu quem convenceu ele a tirar o brinco, sugeri que ia ser mais fácil de ser aceito e evitar virar um dos excluídos se ele parecesse um pouco mais com o resto dos meninos dali. 

Pra além do brinco ele também usava roupas um muito maiores do que o seu tamanho e um óculos que tinha mesmo a mesma expessura do fundo de uma garrafa. Na falta de um brinco na orelha esquerda e de um nome fácil de pronunciar ele acabou virando o Nerd. Porque além da cara, todo mundo descobriu bem rápido que ele também tinha as melhores notas da turma o que irritou mais gente do que a gente foi capaz de entender na época. 

Só tinham duas pessoas que competiam com ele nas notas, um menino que não falava quase nada e que o pessoal chamava de Flash e Marília - que pra mim, era a menina mais bonita da sexta série. 

Só que o Nerd tinha um problema muito maior do que ter irritado muita gente, ele era menor que todo mundo. Aparentemente, ele era tão bom na terceira série que a escola da cidade onde ele morava na época decidiu mudar ele de série na metade do ano. Ele me contou que perdeu muitos dos amigos da terceira série e que precisou brigar com um menino da quarta depois disso, porque ninguém aceitava direito que as coisas fossem diferentes com ele. Ser diferente é difícil. Ser um ano mais novo do que todos os colegas não faz muita diferença antes da puberdade e faz uma diferença desgraçada quando ela começa a chegar.  

Por sorte, no mês seguinte mais um estrangeiro tinha acabado de chegar na escola e ao contrário do Nerd ele tava indo muito bem na coisa toda da puberdade. O Kleiton era um menino forte e um ano mais velho, ele era o menino mais forte da sexta série, ele era bom em todos os esportes e tinha o corpo de um atleta mirim. De muitas maneiras ele o Nerd eram mais ou menos opostos polares. O Nerd era branco feito papel e o Kleiton era marrom da cor da terra. Enquanto o Kleiton tinha todos os músculos muito bem desenvolvidos e era bom em todos os esportes o Nerd era ridiculamente franzino e ficava nervoso sempre que encostava em uma bola, que era a parte principal de todos os esportes na época. O Kleiton era um garoto, de cabeça raspada e roupas apertadas que aproveitava com gosto todas as oportunidades que tinha de usar o mínimo de roupa possível. O Kleiton também era bastante inteligente e nenhum pouco carismático e era bem difícil entender porque é que os dois passavam tanto tempo juntos. Talvez pelo mesmo motivo que eu fazia questão de acompanhar os dois, eles eram diferentes e assim como eu, tinham acabado de chegar.

A gente se equilibrava, o Nerd conseguia resolver quase todas as coisas com carisma, até hoje acho que nunca conheci uma criança tão desenrolada. O que não dava pra resolver com carisma o Kleiton resolvia na força. E o que não dava pra resolver de nenhum outro jeito eu resolvia fazendo o possível pra que não nos encontrasse.

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