Entrar por uma orelha e sair pela outra é fazer um percurso.

Carrego comigo uma crença firme de que poucas coisas são mais estúpidas do que separar os diferentes campos do conhecimento. Esse texto talvez seja de uma maneira ou outra algum tipo de defesa das humanidades ou talvez uma defesa da humanidade em sí. As artes em geral apresentam a muito tempo a ideia de um mundo onde a humanidade é dominada pelas máquinas, Matrix é uma referência bastante acessível - pelo menos pras pessoas da minha geração. Nesse filme a humanidade se desenvolve em uma simulação da vida mediada por um conjunto de máquinas que usam dos humanos como combustível ou alimento para o desenvolvimento da própria vida e talvez esse seja mesmo o ciclo natural das coisas ou pelo menos seja parte da natureza das máquinas. 

A Natureza Humana. A capacidade de alterar a realidade a partir da manipulação e do uso do próprio corpo. O manifesto ciborgue. A industrialização do trabalho artesanal. A alienação da técnica. A transformação do sujeito em operador. A revolução das máquinas. A transformação do operador em um programador. Os grandes modelos de linguagem. A alienação da técnica. Qual a próxima transformação? O que acontece com a humanidade quando ela é cultivada por aqueles que tem como objetivo o lucro e não a continuidade? 

Quando falo em continuidade também não me refiro à continuidade biológica, nem mesmo à continuidade econômica. A continuidade que me importa é a continuidade cultural, a continuidade artística, a continuidade humana. Como vai a humanidade em meio aos carros, aos prédios, às jornadas exaustivas de trabalho, às comidas envenenadas, às tragédias climáticas, às guerras comerciais dos grandes estados e nações, às máquinas e inteligências artificiais? Como vai a humanidade? Como vai o cuidado? Como vai o carinho? Como tem se cultivado o respeito e a admiração? Como anda a escuta? Como anda o olhar? Como andam as ruas e as calçadas? Como andam os pobres e os miseráveis? Como anda a humanidade em 2025? Como você tem andado? 

Me surpreende a atenção que se dá à economia, ao agronegócio, às exportações de microchips em um mundo onde as pessoas ainda dormem ao relento e passam fome. Que sistema econômico bem sucedido é esse onde a cada dia aumentam os números indicativos de problemas mentais entre os seus participantes? Que sociedade bem sucedida é essa onde pais sequer passam tempo com seus filhos? Que sistema político eficiente é esse onde a educação é tratada como mero elemento instrumental? Que humanidade é essa que abandona tudo o que é fundamentalmente humano em nome de um único ideal cuja realização torna o mundo cada vez mais inóspito e a vida cada vez menos livre? Que mundo esclarecido é esse que valoriza mais um marqueteiro do que um agricultor? Que intelectual é esse que participa ativamente da destruição do próprio mundo? 

E no meio à tantas perguntas me atenho a responder apenas a última. O intelectual que participa desse mundo desumano é justamente aquele que também foi privado da própria humanidade. Ecologia sem luta de classes é jardinagem. A intelectualidade sem humanidade talvez seja apenas o espaço que existe entre Eco e Narciso. 

Comentários