A luta desarmada dos subalternos é um ótimo livro também.
Foi a partir de um relato sobre o Durruti que ouvi falar pela primeira vez na ideia de liderança pelo exemplo. Foi aos poucos, ao longo dos últimos anos que a coisa toda começou a fazer cada vez mais sentido dentro da minha cabeça. Por muitos anos fui um desacreditado crônico, ninguém acreditava em mim e eu não acreditava em mim mesmo. Mas sempre acreditei em algo.
Não lembro quando foi a primeira vez em que ouvi falar em Canudos e lembro do quanto saber da existência dessa experiência mudou meu jeito de ver o mundo. Lembro de quando descobri o papel da ala anarquista na revolução russa, de como ela foi tratada com a consolidação dos bolcheviques no poder e de como isso me fez sentir. Lembro de quando descobri sobre a revolução espanhola, sobre o Malatesta, sobre a Emma Goldman, sobre o julgamento dos oito de Chicago, sobre o Oiticica e sobre uma série de outras coisas incríveis das quais parece sempre que quase ninguém quer falar.
Existe uma grande noção difusa, desinformada e equivocada em geral sobre o que é a anarquia. Na maior parte dos espaços essa palavra sequer é levada a sério e mesmo entre os que se dizem comunistas e revolucionários ela é encarada com uma grande camada de preconceito. Acho engraçado pensar sobre o reconhecimento Bakuninista sobre as ideias de Marx e aquela aspa atribuída a ele em que ele diz algo na direção de: "O Capital talvez seja a leitura mais importante para todos os trabalhadores do mundo, uma pena que seja tão chato e complicado". E acho esquisito pensar sobre a movimentação da ala marxista que levou à expulsão do Bakunin da AIT 1872 e que eventualmente levou à dissolução da organização. Mais do que isso tudo, depois que decidi finalmente ler a porcaria d'O Capital, acho surpreendente de um jeito ridiculamente triste perceber que uma parte considerável dos Marxistas que conheci sequer conhecem uma parte considerável das ideias que compõem a base do pensamento do raio do velho. Não que eu já tenha lido os cinco volumes, é chato pra caramba mesmo, a tradução que eu peguei em pdf e converti pro kindle tem sérios problemas de formatação, o texto é ridiculamente complicado e eu não sou a mente mais brilhante do brasil - leio em ritmo de lesma com grandes pausas e de tempos em tempos preciso ler um ou dois livros antes de retornar. Ainda assim, com a leitura do primeiro volume, da pra identificar na fala de muita gente o quanto as pessoas sequer passaram perto do livrinho. E se uma parte considerável dos comunistas que conheço sequer leu Marx, é de se esperar que eles não saibam nada mesmo sobre o que escreveram os anarquistas a partir dessas ideias.
Aponto esse desconhecimento porque reconheci ele em mim mesmo a uns anos atras, em um tempo onde eu acreditava que não precisava ler ou estudar pra saber de algo, um tempo onde cultivava em mim a preguiça e a soberba características de quem se acha mais inteligente do que o resto do mundo. Hoje sei da minha burrice e sei que a única coisa que posso fazer pra compensar a minha incapacidade intelectual é buscar ler e entender da melhor maneira possível pensadores e ideias que desconheço, tratando suas ideias com a característica boa-fé com a qual espero que as minhas sejam tratadas.
Fiquei feliz comigo mesmo a uns meses atrás, quando no meio de uma conversa sobre matemática tive a coragem de dizer que não sabia o suficiente do assunto pra participar da discussão. Em outros tempos, teria tentado construir um pensamento improvisado que certamente estaria cheio de furos e demonstrado de um jeito muito menos honesto a minha falta de conhecimento sobre o assunto.
E escrevo tudo isso pra dizer que por mais que eu queira expressar muita coisa, ainda não tenho conhecimento, prática e sensibilidade o suficiente pra isso. Escrevo pra dizer que sigo em formação, em treinamento, que talvez nunca alcance o lugar ideal que imagino; escrevo pra dizer que isso não importa, porque muito mais importante do que o fim é o meio através do qual me mantenho no caminho que escolhi. O fazer é muito mais importante que o ter feito e honestamente não sei se consigo expressar o quanto. Fico feliz em não precisar.
Já tentei algumas vezes ao longo dos últimos anos montar grupos de estudos sobre as anarquias e fracassei em todas. O máximo que consegui foi ler e discutir em um chat de texto três capítulos de um livro do Proudhon com alguns amigos. De tempos em tempos alguém me pede recomendações de leituras introdutórias e sempre me senti meio perdido nas indicações. Até hoje.
Ontem a noite terminei a primeira leitura de um livro chamado Os Despossuídos, da Ursula K. le Guin e acho que nunca na minha vida me emocionei tanto com um trabalho literário quanto me emocionei com esse. Senti profundamente o orgulho, o medo, a arrogância, o nojo, a vergonha, a tristeza, a resignação, a revolta, a frustração, o amor, o respeito e todos os outros sentimentos maravilhosamente articulados pela autora ao longo do texto. Eu podia escrever sobre os aspectos técnicos, sobre a organização dos capítulos, sobre as características narrativas, sobre a complexidade dos personagens, sobre o respeito ao leitor e sobre uma série de outras coisas que me impressionaram ao longo da leitura. Mas vou escrever apenas que essa história é uma utopia anarquista, que eu não sabia o que isso significava até terminar a leitura e que se isso te interessa ou se te interessa saber com o que é que sonho todos os dias da minha vida, recomendo de mais a leitura.
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