escrevo tudo que escrevo de maneira completamente maníaca e desalinhada em um tipo completamente desregrado de fluxo de consciência. já me perguntei se um formato seria melhor do que outro e a não ser que segure rigorosamente as rédeas da significação sempre acabo escrevendo alguma coisa muito parecida com as palavras que saem da boca de um maluco balbuciante que carrega no peito uma placa enorme onde se pode ler que o mundo já acabou.
Tenho pensado bastante sobre essa coisa toda de horror e ultraje nos últimos tempo. Tinha alguma coisa pra escrever aqui sobre o Oscar Wilde e a introdução do Retrato de Dorian Gray e a Luta Desarmada dos Subalternos. tem alguma coisa no cinema de horror e na Heavy Metal e no encontro com o que não escolheríamos encontrar que me parece um ponto importante de inflexão. Também sinto que tem algo importante no encontro com a sombra e no Psicopata Americano e n'A Substância e n'O Apanhador no Campo de Centeio e em House of Leaves e n'Os Despossuídos e em encontrar maneiras de se dizer e se fazer pensar sobre aquilo que reprimimos, escondemos e transformamos em sintoma.
tem sim uma coisa libertadora em deixar sair de dentro pra fora justamente a parte de nós que é violenta, suja, mal-vestida e desbocada inclusive porque é só quando ela é vista que ela pode ser cuidada. penso uma quantia grotescamente grande de porcaria e escrevo muita bobagem também. segue um pouco do que tenho escrito; alguns experimentos com o incômodo.
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Sem título.
Deitado em frente a uma casa que não era sua, atirado na sombra um sujeito esguio e esquisito falava ao telefone. "É que tu tem que entender que eu sou um filhinho da puta mesmo entendeu? O emprego da minha mãe é viver com um homem que paga as contas dela e ela gosta disso. Minha mãe negocia diretamente com o próprio patrão se utilizando de recursos não-monetários. Se ela fosse homem acho que dava até pra dizer que é uma estelionatária, mas como é mulher a gente chama de puta mesmo, não sei bem porque" Eu ri do lado de dentro de casa, fiquei pensando na minha mãe, solteira, com um filho recém nascido, um filho de quatro ou cinco anos e outro de doze. Os mais velhos ficaram com o pai, meu pai - o filho mais novo era de outro pai e com ele, ela não quis deixar o filho ou esse filho ela não quis deixar. Não sou capaz de saber no que ela pensava, só sei o que aconteceu. Após uma pausa que imagino ter sido o tempo de resposta do interlocutor a conversa do sujeito ao telefone seguia. "É o que eu tô te dizendo: eu não tenho como saber se era verdade ou não porque ela não fala nada dessa época entendeu, eu só tenho os relatos da família que fala comigo então meio que não da pra saber muito bem. Me contaram que minha mãe traiu meu pai algumas vezes - uma vez um velho foi na minha baia conversar com a camarada que morava comigo e disse que viu minha mãe de amasso com alguém em um carro quando eu ainda era bebe, que ela deu oi pra ele e que ele escolheu não contar isso pro meu pai. Acho que eu gostaria de saber o que ela pensava nessa época, quando perguntei ela disse que não queria relembrar e ai o que eu tenho da história do final da minha família é quase nada entende, o que eu sei é que meus pais separaram e que meu irmão mais velho é outro filho da puta; só que a família dele terminou quando ele era um pouco mais velho. O meu irmão mais novo já é o filho de uma mulher reformada, ou que tava tentando se reformar - não sei. Hoje eu não sei se minha mãe ainda é puta na real, mas eu tô ligado e tô ligado no que é que isso fez com a minha percepção de mundo. Fraga? Não é a toa que eu não confio direito em ninguém, todo mundo enche a boca pra falar que mãe é isso e mãe é aquilo e não sei o que e não sei qual outro e a minha mãe meteu o pé. Me planejou pra tentar segurar o casamento e quando não conseguiu sustentar a onda juntou as coisinha dela e foi se afundar com a família dela numa cidade longe pra caralho. Eu morei com ela por um tempo e pra sobreviver entre a mãe e os irmãos dela eu ia ter que ficar muito mais violento do que eu sou e de um jeito muito pior do que eu gostaria. Acabei preferindo vir pra rua morô, aqui ninguém me enche o saco, eu tenho mais ou menos as manhã e tô sempre limpinho, cheirosinho e alimentado. As vez até tem umas patrícia que da moral, que acha que vai me reformar, que eu sou diferente e esse papo todo. As vezes eu até acredito, tem gente que gosta de filho da puta sabe? Mas no final a história é sempre a mesma, elas encontram o filho de uma família melhor e a vida segue"
Da sacada onde ouvia pensei um pouco sobre a vida por conta de um filho de uma puta que nunca conheci.
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Eu não sou racista! Pra mim todo mundo é igual! E assim que ele terminou a frase ele sentiu uma palma inteira acertando o seu rosto de maneira seca e firme. Este é o problema filho da puta! Você acha que todo mundo é igual! E pior ainda, você acha que todo mundo é igual à você! Ninguém é igual à ninguém seu idiota, esse é o ponto! Você não é igual ao Elon Musk! Você não é igual à Madonna! Você não é igual ao Lula! Você não é igual a Dilma! Você não é igual ao Alckmin! Você não é igual a Damares! Você não é igual ao Eike Batista! Você não é igual Andrea Maria! Você não é igual ao Ratinho! Você não é igual à Sherazade! Você não é igual ao Datena! Você não é igual a Regina Volpato! Você não é igual ao Bonner! Você não é igual à Fátima! Você não é igual aos outros idiotas de pele clarinha igual a tua e definitivamente você não é igual ao Mano Brown! E nem de longe você se parece com Maria Carolina de Jesus! Você não é igual a ninguém seu merda! O ponto não é esse! Ninguém quer ser igual a você! Você é um idiota!
Um filho da puta cuja família saiu da escravidão pra miséria não é igual você que só não tem terra na família porque teu avô ou teu bizavô venderam tudo pra ir pra cidade! E o problema não é tu e a tua ignorância! O problema é tu achar que essa porcaria é um problema individual! Que essa merda se resume a Claudio ser racista e Pedro ser xingado de macaco, esse é um problema bem pequeno, o problema maior não é esse. O problema é que enquanto ex-escravos eram proibidos de comprar terra mesmo que tivessem dinheiro imigrantes brancos recebiam terras e empregos e investimento do império para fixarem colônias aqui. O problema é que enquanto grupos entendidos como brancos tiveram séculos para organizar as próprias comunidades com todo a estrutura e o apoio oferecidos pelo estado comunidades de ex-escravos se desenvolveram em periferias que não foram só ignoradas pelo poder público como também foram sabotadas pelo mesmo. O problema é que tu não entende que as dificuldades que tu enfrenta na tua vida só não são do dobro do tamanho por conta de uma história profunda que não afeta só nos aspectos financeiros e geográficos da tua vida, esse é um problema cultural. Nossa cultura é informada por uma história de práticas racistas e dos seus resultados e o fato de que você acha que pensar dentro da sua cabeça que todo mundo é igual faz de você uma pessoa não racista é um sintoma dessa cultura doente da qual você faz parte. E o fato de que eu precisei te explicar isso demonstra que no fim das contas pouco importa se você quer ou não ser racista, você e a sua vida são o produto de uma sociedade racista e a não ser que você faça algo com relação à isso o que você pensa dentro da sua cabeça não faz diferença nenhuma.
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Acho que nunca pensei muito sobre a solidão e de uma maneira ou outra ela sempre foi uma grande companhia pra mim. Desde muito cedo me sinto isolado independente de onde esteja. Minha tristeza incomoda e muitas vezes minha alegria também. Quase tudo que fiz na minha vida pode ser reduzido as condições do meu nascimento exceto pelo que faço com meu corpo e nem faço muito. Já caminhei entre algumas cidades, carreguei bastante peso por bastante tempo, escalei algumas montanhas e pedalei alguns quilômetros. Acompanhei algumas mortes ao longo da minha vida e toquei em alguns cadáveres. Fui deixado pra trás algumas vezes e dor de verdade só senti em uma delas.
Ganhei uma corda de emergência esses dias e eu que entendo tudo de maneira simbólica fiquei profundamente feliz com o presente. Amarrei a corda no tornozelo e me sinto um pouco mais seguro agora. As vezes tenho medo de não ter um instinto, de não ter nada que me impulsione. Tenho medo do que sei que meus sentimentos são capazes de fazer com a minha racionalidade e de que a minha vida inteira seja resultado de um medo profundo que sequer sou capaz de compreender. Tenho medo de que meu medo confabule por dentro da minha cabeça e se desfarce de raiva, de ódio, de amor, de solidão, de tristeza, de alegria e de paixão. Tenho medo de que tudo na minha vida seja só mais um reflexo do medo. E bem de vez em quando eu me lembro de mim mesmo.
Lembro de uma noite de verão ou outono perto do banco do Brasil. A primeira vez em que gostei de comer sushi. Os pés descalços encostando a terra. Um acampamento na beira da praia. As risadas vindo da cozinha. A pedra que escolhi subir sozinho. Pequenos momentos onde esqueci de tudo pra além do que tinha na minha frente. Eis-me aqui. E de repente retorno. Lembro de tudo que existe pra além da consciência e por vezes demoro um pouco à retornar.
O peito cheio de vento, os pés sujos de terra, os dedos queimados do fogo e o rosto virado pro mar. Dia desses decidi que preciso aprender a gostar do desconforto do sol se pretendo mesmo viver com a terra. Não tenho a pretensão de me comparar com quem tem a determinação de fazer algo. Não sou assim. Não sou bom, não sou puro, não sou certo, não acredito que alguém seja. Nunca vou esquecer do sujeito que na virada pra 2024 olhou no fundo da minha retina e disse: "ninguém tá puro irmão". Eu não tô.
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Tetsuo
Assim que as engrenagens se encaixaram meu coração finalmente parou e a humanidade em mim virou outra coisa. Houve um tempo em que essa união era feita com os animais, hoje as fazemos com as máquinas. Meu avô foi um centauro por mais de um milênio e nunca vou esquecer da expressão em seu rosto quando anunciei que me uniria a um veículo. Ele nunca entendeu os motores e a frieza do aço. Meu avô acredita que a vida depende da carne e eu sei que ela existe na ideia.
Quando finalmente me uni ao metal e senti os tendões ligados aos cabos de aço, meus nervos se espalhando pela lata, a gasolina preenchendo minhas veias e o pulsar dos pistões a cada nova explosão de combustível eu finalmente me tornei eu mesmo. Senti minha mente mais calma, meu corpo mais forte, as distâncias mais curtas e a vida mais certa.
Senti os limites entre a carne e o aço se rompendo, aos poucos me tornei o que existe por entre os dois e ao contrário do que meu avô acredita, me tornei um com a natureza. Sentia em mim o interior de montanhas, o fundo do mar, o calor do fogo, o frio da água, a resistência do vento e a força das milhares de vidas envolvidas nos processos que formaram minhas partes de aço. Senti as lágrimas da terra, os lamentos dos rios, a violência do fogo, a indiferença do vento e todos os sentimentos contrários e contraditórios que a humanidade sente sobre tudo isso e muito mais.
Abri os olhos, iluminei o meu caminho e com um único pulsar do que um dia foi meu antigo coração humano iniciei a chama do meu movimento. Parti. Mais rápido do que qualquer criatura de carne e mais atento do que qualquer criatura de metal. O pior e o melhor de um único mundo, tão natural quanto todo o resto e tão em paz quanto possível.
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Sentados em um bar, enquanto bebiam mais uma cerveja um grupo de branquinhos falava de maneira intensa e passional sobre o mais recente caso em que um polícial assassina uma pessoa negra. O argumento geral era o de que a polícia precisava remover os rascistas de suas fileiras, que pessoas rascistas não deveriam fazer parte das forças militares e que todos os políciais deveriam ser treinados para tratarem as pessoas com humildade e respeito e foi aí que uma coisa interessantíssima aconteceu. Um negrão que silenciosamente escutava a conversa do outro lado do bar se aproximou e com toda a calma do mundo disse:
Com licença pessoal, posso contar uma coisa pra vocês?
As pessoas da mesa se surpreenderam, alguns ficaram tensos, teriam eles dito alguma coisa racista? Seriam eles acusados de algo? Uma das pessoas começou a se desculpar ansiosamente enquanto dizia que sabia que como pessoa branca não tinha lugar de fala pra discutir as dores das pessoas negras mas que compartilhava da indignação sobre a situação toda e com um sorriso no rosto o negrão interrompeu.
Tá tudo bem querida, vocês não fizeram nada de errado, eu não tô ofendido. Fiquei feliz em ouvir a indignação de vocês, sei que é o mínimo e também sei que não é muito comum. Eu vim aqui porque ouvindo a conversa de vocês tive a impressão de que tem uma ou duas coisas que vocês não sabem e claro que ninguém tem a obrigação de saber de tudo e foi por isso mesmo que escolhi levantar e perguntar se vocês gostariam de ouvir o que eu tenho pra contar.
É verdade que nenhuma daquelas pessoas tava afim de ouvir um negro falando sobre o assunto e também é verdade que nenhuma delas nunca teria coragem de admitir isso em voz alta. Em meio ao silêncio o negrão sorriu e aguardou até que uma das pessoas sinalizasse que queria ouvir o que ele tinha a dizer. E assim o homem começou.
A vida é um pouco diferente pra vocês que são brancos, eu já vi muito branco que nunca pensou sobre ser branco e que nunca encontrou com o racismo de frente. Eu mesmo demorei muito tempo a perceber que em muitas ocasiões o racismo se esconde dos brancos e os brancos tem uma certa dificuldade de enxergar o racismo. Porque o racismo não persegue vocês, ele não assopra na orelha de vocês, ele não olha pra vocês nos corredores dos mercados e ele não constrange vocês em público ele habita no mundo de um jeito, que pra vocês muitas vezes só da pra ver quando alguém morre. Mas o racismo faz muito mais do que matar.
É por conta do racismo que não tem muito negro nos lugares onde vocês circulam, é por conta do racismo que as populações pobres são majoritariamente negras, é por conta do racismo que os maiores índices de violência permeiam as populações negras e disso eu imagino que vocês saibam. O que eu sei que vocês não sabem é que é por conta do racismo que vocês são bem tratados em público, é por conta do racismo que a polícia não assassina brancos sistematicamente, é por conta do racismo que vocês acham que é fácil encontrar um bom emprego, é por conta do racismo que as populações mais ricas costumam ter um número muito maior de brancos nos seus demográficos, é por conta do racismo que nenhum de vocês se sente incomodado com o fato de que eu sou o único negrão nesse bar. Talvez vocês não tenham nem notado, talvez vocês nunca tenham pensado sobre quantos negros frequentam os mesmos espaços que vocês. E talvez vocês não tenham notado que o racismo é tão doido, mas tão doido, que na maior parte das conversas a população indígena sequer existe e raramente alguém liga pra isso. E não era isso que eu queria dizer.
O que eu queria dizer é que o problema da polícia não são alguns políciais racistas, o problema da polícia é o brasil. A polícia é uma instituição racista, porque ela foi fundada pela elite racista de um país racista. E qualquer um que participe da força policial, compartilhando ou não de valores racistas, vai fazer parte de uma instituição racista, com valores e práticas racistas e isso não vai mudar porque essa é a natureza da polícia, que é fruto do brasil, uma instituição de natureza muito pior do que a própria polícia. Esse país em grande parte ainda é propriedade das mesmas famílias que coordenaram a invasão e o roubo dessas terras, assim como toda a sorte de violências que eu acredito que não preciso repetir em palavras nesse momento pra vocês para com os povos que viviam por aqui sem o desejo de serem donos de nada e para com os povos que foram arrastados aqui pela ganância dos ancestrais das famílias que acumulam as riquezas aqui produzidas. O problema da polícia é um problema de ancestralidade, o passado da polícia faz dela o que ela é hoje, porque o passado do brasil faz dele o que ele é hoje. O que vocês precisam saber é que se vocês querem mesmo acabar com os problemas de racismo na polícia, talvez vocês precisem acabar é com o brasil inteiro, porque mesmo que nem todas as pessoas sejam, essa porcaria de país é racista e enquanto vocês brancos não entenderem que isso não é sobre vocês individualmente, essa indignação toda que vocês demonstram vai continuar sendo só um jeito um pouco patético de espiar uma culpa que nem é de vocês. E dá pra ver que vocês tão sem jeito agora. Eu vou me levantar e vou sair daqui um pouco porque consigo imaginar a resposta de vocês e outro pouco porque queria mais falar do que fazer parte de uma conversa, dialoguei com muito branco essa semana e tô um pouco cansado do mesmo roteiro de sempre. Boa noite pessoal! Se cuidem e peçam um uber pra ir embora, beber e dirigir é perigoso!
O negrão sorriu, deu as costas e sumiu na noite. Algum impacto ele com certeza teve naquela mesa, ele sabia disso e os branquinhos também. Acho que nenhum deles sabia que impacto teria sido esse e eu que já tava no bar a mais tempo do que gostaria percebi que também não queria saber. Paguei minha conta, peguei uma cerveja pra viagem e sai caminhando pela noite.
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Pensamentos de um cordeiro em pele de lobo.
Eu sou o lobo. Sou o monstro no pesadelo das crianças. Sou o perigo que assombra as ruas. Sou tudo aquilo que existe de pior no mundo. Sou a forma, a cultura e os hábitos de todos aqueles que matam, roubam, estupram e saem ilesos. Tenho as mãos de todos os algozes que vieram antes de mim e muitos dos que virão depois terão as minhas. É o meu corpo que te lembra a dor dos teus amigos e dos teus antepassados. A máquina na qual escrevo essas palavras é resultado de roubo e de escravatura. Da comida que me alimenta escorre o sangue da terra.
Não nego que tenho dentes, nem que meu estômago tem fome de entranhas. Não nego a maldade que me habita e nem os impulsos violentos que correm pelo meu corpo. Não fujo de ser o que sou e nem do passado que me tornou em mim mesmo. Não escondo as cicatrizes que carrego e nem as dores que causei. Não finjo, não minto e não engano. Mantenho do lado de fora minha sede de sangue e só não percebe quem não quer. Não me envolvo com inocentes e nem com os que tem medo de uma briga. Conheço os perigos da minha companhia e não sujeito ninguém a ela. Perto de mim só fica quem quer, sabendo o risco que isso implica.
Quando caminho pelas ruas sinto os olhares e o cheiro do medo. Ali vai o lobo eles dizem, sussurram palavras de cuidado uns aos outros como se meus ouvidos não fossem capazes de ouvir. Sorrio sabendo que meu sorriso não acalma, caminho lentamente sabendo que minha calma tenciona e ando sempre atento sabendo que quem tem medo oferece mais perigo do que quem tem fome.
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É difícil pra mim fazer um retrato de uma pessoa que idealizo.
Li esses dias que quando uma pessoa escreve um poema pra outra é porque ama a pessoa, quando escreve dez poemas é porque ama poemas. Sinto que amo mais os significados do que qualquer outra coisa. Amo mais o que as coisas representam do que as coisas em sí. Talvez isso seja alguma deformação minha. Achei bonito quando ouvi Belchior cantando que palavras são adagas e gosto de pensar que falo como quem maneja um bisturi. De vez em quando realizo operações simbólicas cuja sutileza sequer permite que o corte seja percebido enquanto acontece. De vez em quando, sem perceber, troco o bisturi por uma faca de serra e usando a segunda como o primeiro faço estragos grandiosos.
Uma vez no intuito de facilitar a minha vida enquanto limpava as feridas de uma criança expliquei pra ela que uma ferida infeccionada poderia levar à amputação de um membro. Descobri quinze anos depois que essa mesma criança acabou tendo ataques de pânico sempre que não conseguia limpar um machucado imediatamente, o que é ruim, admito, mas dos males é um dos menores.
As vezes quando interajo com o mundo esqueço que o mundo é uma coisa em sí e independente de mim. Pro mundo não importa o que eu penso, ou sinta ou faça assim como as vezes o mundo não importa pra mim. Sou em mim como o mundo é em sí, mesmo que também sejamos um para o outro. Também sou no mundo como o mundo é em mim e as vezes é difícil manter todos esses olhos abertos ao mesmo tempo.
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Acho lindo tudo isso que tu tá propondo! Me encanta, quando eu paro pra pensar isso é tudo o que eu queria pra minha vida e eu não consigo, eu não tenho força, eu não tô pronto, não sei se quero viver com alguém que me trata como igual, quero ser tratado diferente, quero ser especial, quero que você seja especial, que você seja diferente, melhor que os outros e eu sei que as coisas não são assim, que ninguém é perfeito, que você é só mais um cara e que eu sou só mais um cara mas eu não tô pronto pra isso entendeu? Eu não tô pronto pra viver uma vida que não tem segredo, que não tem mentira, eu não tô pronto pra bancar as pessoas me olhando na rua, falando da minha vida, eu não quero ser expulso de novo como eu fui da outra vez tá entendendo? Eu quero fazer parte de alguma coisa Julio! Alguma coisa grande! Alguma coisa verdadeira, poderosa, alguma coisa que me dê alguma segurança! E eu não sei se consigo isso contigo Julio. Quero algo que me faça setir melhor quando eu tô sozinho, que me faça sentir amparado, protegido. Eu não tô pronto pra viver exposto ao perigo Julio, não quero viver com medo, não quero achar bom saber lutar, não quero entender porque é que tu carrega essa droga desse punhal contigo. Não quero precisar usar um punhal. Eu não tô pronto pra fazer as coisas do teu jeito, teu jeito é lindo e não é certo.
Carlos cala a boca! Vai te fuder Carlos; namoral, vai pro inferno, vai abraçar o capeta, vai viver essa vida de merda, segura e bem protegida que tu quer tanto - só vê se para com esse papo merda de ta ou não ta pronto. Tu acha que alguém tá pronto? Tu acha que eu tô pronto? Tu acha que pra mim essa merda toda não é aterrorizante? Tu acha mesmo que eu não tô sempre em pânico? Tu não entende que eu tô sempre preparado pra que alguém tente me matar não importa onde eu esteja? A minha vida é uma merda Carlos! Eu sou um merda! É tudo uma merda! Merda que não é ruim Carlos! Tem bixo que come merda! Tu é um merda também, entendeu? Tu não é menos merda que eu; tu é a mesma quantia de merda só que numa sacola diferente, eu pelo menos tô num buraco no meio do mato! Puta papo chato do caralho. Se não quer não quer e deu tá entendendo, não fica de graça, ou vai ou racha morô. Eu não gosto de meio termo e não trabalho com segredo e se não vai ser tudo completamente as claras eu não quero porra nenhuma entendeu?! se não é pra todo mundo saber que quando eu tô com tesão eu gosto de te mamar até encher a minha boca inteira com a tua porra, que gosto de continuar te mamando depois disso até teu pau endurecer de novo preu sentar em cima dele e ter o prazer de gozar com o teu pau dentro de mim enquanto eu te beijo com o teu sémem escorrendo pela minha boca. Se não for pra todo mundo saber que eu sou tua puta, eu não quero ser tua puta! Se tu vai ter vergonha de segurar na minha mão e me beijar na rua depois de gozar na minha cama enquanto eu sussurro o quanto tu é gostoso, se tu só vai ter coragem de me apresentar pros teus pais se eles não souberem da gente, se tu vai ter vergonha de ficar mal-falado por ser visto do meu lado, se tu vai ficar me dizendo que a gente é errado e que fazemos tudo errado e todo esse papo homofóbico de merda que tu tem internalizado ai dentro Carlos eu quero mais é que tu se foda! Entendeu! Eu quero mais é que tu se foda! Não quer não quer! É isso! Bola pra frente! Não precisa ficar de gracinha e inventando motivo e assim, não me entenda mal, eu gosto de você, te amo, de verdade, escolhi te amar no mesmo dia em que escolhi beijar tua boca só que não adianta eu te amar sozinho...
Não é que eu não te ame Julio, tu sabe que eu te amo! Eu disse que te amo! Eu disse que não quero parar nunca de falar contigo! É que falar contigo me lembra de tudo que eu não gosto em mim e eu não quero lembrar dessas coisas! Quero viver uma vida onde eu não precise pensar o tempo inteiro em como eu sou tudo aquilo que meus pais odeiam, eu não quero que meus pais me odeiem e se eu vou precisar me esconder, me punir e me negligênciar pra que eles continuem me amando que assim seja! Prefiro mil vezes ser aceito do que ser feliz e se isso te incomoda também é problema teu. Eu não vou me assumir porque não quero lidar com tudo o que isso causa e se tu não entende isso eu também quero mais é que tu se foda!
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A quantia de maluco que encontro por ai é um pouco impressionante.
Com as duas mãos batendo repetidamente no tampo da mesa vermelha de plástico. Com a voz escapando por um sorriso repetia incessantemente a mesma palavra. Por um instante não tinha mais uma pessoa naquela mesa de bar o que falava ali era um aspecto da humanidade e dava pra ver pelo jeito de olhar, pelos gestos e pela teatralidade da coisa toda. Não era mais uma pessoa, eram só as palavras e os significados se organizando um depois do outro como bem entendem e se fazendo em vida através daquele corpo. As palavras gritavam:
O agronegócio dos latifundiários não sustenta nada, não movimenta nada, não serve pra nada. O agronegócio dos latifundiarios é um parasita dessa outra instituição falida que é o estado brasileiro. O agronegócio dos latifundiários só existe porque o estado brasileiro é preguiçoso, leniente, velho e coordenado pelos filhos dos latifundiários, pelos amigos dos latifundiários e pelos parentes dos latifundiários. Pelo amor de deus, os mais ricos filhos dessa porcaria de país tem ligação direta com as famílias que receberam as capitanias hereditárias! Essa porra não mudou quase nada! O Brasil ainda é a mesma merda! Eles seguem vendendo tudo que tem de bom nessa terra desgraçada pelo encontro com a Europa e ignorando as necessidades das pessoas que vivem aqui! Lê as Veias Abertas da America Latina! Não importa se é prata, ouro, cana, arroz, gado ou soja ainda estamos em uma colônia cruel e violenta e estúpida. Tu acha que uma lavoura de soja alimenta bem quantas pessoa? Quantos dias da tua vida tu já passou comendo só soja? Tu faz ideia de onde vem as coisas que tu consome? Tu já plantou uma lavoura?
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A crítica ao sistema é parte fundamental do sistema.
A gente sabe a anos do trabalho análogo à escravidão e da destruição ambiental envolvidos na mineração dos elementos que compõem nossos eletrônicos, no plantio de cacau e em uma série enorme de outros produtos da nossa sociedade. Diabo, a gente viu a uns anos atrás uma série de galpões cheios de mulheres venezuelanas em situação análoga à escravidão costurando roupa pra Zara e pra outras lojas de departamento. A Vale do Rio Doce literalmente destruiu uma cidade inteira, a polícia segue matando gente à rodo nas periferias desse país e organizando tráfico e milícia e nenhuma denúncia, sobre nenhum desses eventos serviu de nada até agora.
Se uma pessoa tá na televisão, nos jornais, nas eleições ou em qualquer espaço de grande visibilidade dentro do sistema fazendo uma crítica ao sistema ela é parte do sistema e essas críticas são tão importantes pra manutenção do sistema como a exploração que o sustenta. A performance do Kendrik no super bowl é importante porque serve como catarse pra um sentimento que se não fosse pela crítica poderia acabar tendo vazão de outra forma e o maior medo do sistema é que essa forma seja a ação revolucionária. E é preciso que a gente pare de fantasiar sobre o que é uma ação revolucionária e descubra o que isso significa na prática.
Eu até acho que tá tudo bem um adolescente achar que ser revolucionário significa pegar em um fuzil e fazer parte de um exército que vai derrubar o governo e instaurar o comunismo como os russos fizeram e que dessa vez esse exército vai ter uma liderança boa e correta que vai conseguir fazer a transição para o socialismo de maneira bacana e sem nenhum tipo de contradição. Agora uma pessoa adulta com esse tipo de ladaia estúpida já é sacanagem. Primeiro porque essa ideia sempre deixa de lado uma das coisas fundamentais de um conflito armado: as pessoas morrem e quem fantasia com um conflito armado nunca fantasia em ser o soldado de infantaria que vai morrer, normalmente quem lança esse tipo de ideia acha que vai ser um general ou um comandante por quem os trabalhadores vão morrer. E pra mim são poucas as coisas mais estúpidas do que essa fantasia.
Ação revolucionária, hoje, não é violência. Ação revolucionária é a construção e o fortalecimento de modos de vida distintos dos que nos são ofertados pela ideologia dominante e pela lógica do capital. Ação revolucionária é organizar redes de distribuição e compartilhamento de alimentos, é ajudar pais e mães com o cuidado de crianças, é compartilhar conhecimento de maneira livre e gratuita. A violência não é revolucionária. Hoje, a violência é o nosso paradigma. O estado usa violência de maneira organizada e como o povo não está organizado pra se defender da violência do estado raramente o povo ganha. E não é impossível ganhar.
Mas ganhar a disputa da violência não pode ser o fim de uma ação revolucionária.
Mudar a origem de quem manda é um sonho pequeno. Meu sonho é um mundo onde ninguém mande. Não sonho um mundo com menos opressão. Sonho um mundo sem opressão nenhuma. Os comunistas tinham alguma tração entre a classe trabalhadora quando eles falavam em moradia, alimentação, educação e laser como direitos inalienáveis, quando falavam em destruir presídios, em acabar com as estruturas de gênero e raça que são usadas como ferramentas de controle por essa sociedade porca na qual a gente vive. E falar que a sociedade é uma porcaria não muda porcaria nenhuma. E não dá pra ter ação revolucionária sem teoria revolucionária. Não dá pra ter ação revolucionária sem potência revolucionária. Não dá pra ter teoria revolucionária sem ação revolucionária. E não dá pra ter potência revolucionária sem a prática revolucionária.
Não adianta ganhar o debate se no fim do dia as pessoas ainda precisam se vender pra se alimentar. Procure saber como começou o partido dos Panteras Negras, ouve ou lê algum dos discursos do Fred Hampton e perceba os Panteras não foram sistematicamente atacados pelo governo americano porque faziam críticas ao estado, eles foram sistematicamente atacados pelo estado quando começaram a se organizar pra se alimentar, se educar e se cuidar de maneira solidária e independente. Como fizeram os residentes de Palmares e de Canudos. A classe dominante não tem medo das nossas críticas, eles tem medo da nossa autonomia.
É por isso que quando o Jango falou em reforma agrária "forças estranhas" o tiraram da presidência e é por isso que ninguém mais fala em reforma agrária nesse país. Porque a reforma agrária é perigosa pro sistema de exploração, porque terra significa comida. E terra e comida juntos, significam liberdade. O estado precisa de uma massa de pessoas pobres, tristes e empilhadas em caixas de concreto que só podem ser habitáveis enquanto essas pessoas se sujeitarem e sujeitarem umas às outras à uma cadeia enorme de exploração que faz delas prisioneiras da fome, do medo e do consumismo.
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Tatiane é que eu não quero ficar no melhor lugar possível! Eu não tenho nenhum motivo pra isso, eu só não quero, não me importa que aqui é legal e tranquilo e barato. Eu não gosto daqui, eu não tô feliz aqui, eu não acho que um dia eu vou ser capaz de ficar feliz aqui. Tudo aqui é tão bom, é tão limpo, é tão puro. Tatiane tudo aqui é tão perfeito que me da vontade de vomitar. Ninguém aqui peida Tatiane! Nem uma vez! Eu moro aqui a sete anos Tatiane e eu nunca escutei um peido! Ninguém aqui arrota, ninguém aqui sente inveja, ninguém aqui faz fofoca, ninguém aqui trai, rouba, mente, ninguém aqui faz nenhuma das merdas que todo mundo faz em todos os outros lugares! Vocês são uns filhos da puta esquisitos pra caralho Tatiane! Quem é que é perfeito assim? Quem é que vive uma vida inteira sem fazer nem uma merda? Quem é que tem o pique de sustentar uma vida inteira sem ser violento? sem ser cruel? sem ser mesquinho? sem ser torpe? Como é que alguém pode passar a vida sem dar o cu Tatiane? Sem fazer um troço tão nojento e contra cultura quanto dar o cu Tatiane? Não tem nenhum motivo pra alguém dar o cu, eu sei, não é feito pra colocar coisa dentro, é feito pra tirar merda pra fora e é por isso que comer cu é tão especial entende? Porque não tem nenhum motivo biológico pra se colocar nada dentro do cu, e ainda assim, colocar um troço no cu é gostoso Tatiane! Não é certo, não precisa ser certo, é gostoso! É a melhor coisa do mundo? Claro que não é e eu gosto! Eu não quero as melhores coisas do mundo, eu não quero as melhores comidas, nem as melhores casa, nem os melhores carros e nem de longe eu quero a melhor mulher do mundo, que porra que ser melhor significa! Significa porra nenhuma Tatiane! Não tem nada melhor que isso, nenhum uma coisa é melhor do que essa vida de merda que a gente vive, porque a vida é uma merda Tatiane! A nossa merda e eu não quero viver uma vida que finge que não é uma merda! Eu quero uma vida difícil, complicada, dolorida. Eu quero uma vida cheia, intensa, dura. Eu quero ir pra longe daqui e eu sei que lá não vai ser mais fácil, é por isso que eu quero ir Tatiane, porque eu sou um merda e porque eu gosto de dar o cu.
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Homenagem à Luis de Camões
Acordei, levei a minha noiva na rodoviária, vi uma foto da enchente, uma sátira de guerra, um homem explodindo em uma mina terrestre que tava do lado de uma bandeira da palestina, alguém dizendo pra um soldado israelita que ele acha que tá em israel, o video do KL jay explicando o que é o capitalismo. Ontem fui na casa do Jotapê e a gente fez uma jam. O Jotapê tá com dois dedos quebrados, eu nunca fui na aula de música, acho que nunca tive muito amigo músico que quis andar comigo. Só gosto muito de música, gosto muito de arte e de uma maneira ou outra, tenho o que falar. Eu sou só um cara, que é filho de um cara, nasci em Palmeira das missões, meus pais separaram quando eu tinha uns seis anos, quando criança vi e passei por coisas que prefiro não falar na internet, quando eu tinha uns cinco ou seis anos uma mulher de 17 ou de 18 anos tentou me matar. Morei um tempo na casa de uns tios, um tempo em um depósito de bebidas, um tempo no interior de Santa Catarina, um tempo em Chapecó, um tempo em Maçambara, um tempo em São Leopoldo, Um tempo em Taquari, um tempo em Pelotas, um tempo em Floripa, outro tempo em Taquari, um tempo em Barra velha e agora tô em Taquari de novo. Passei tempo criança aqui também, adolescente, jovem e agora adulto.
Terminei o ensino médio estudando de noite no Pereira Coruja porque na minha época só tinha ônibus de graça no ensino médio nesse turno e se tem uma coisa na qual a gente não acredito muito na minha família é em gastar dinheiro com educação. Estudei a vida inteira em escola pública e estudei formalmente até o ensino superior. Sou graduado em Design Gráfico, tenho um diploma de bacharel e tudo. Participei por três anos de um grupo de pesquisa e extensão no centro de artes, na região do porto, no município de Pelotas. Sul do Rio Grande do Sul, região litorânea, do continente que os filho da puta oficial chamam de américa latina ou américa do sul, terra que foi colonizada pelos soldado mais burro, mais fraco e menos capazes do continente europeu. O que não quer dizer que eles não compartilhassem do tipo de pensamento idiota, paspalho e mesquinho que constitui as civilizações modérnas daquele pedaço de terra maldita cuja coisa que mais fez durante toda a história recente da humanidade foi espalhar, maldição, doença, praga e porcaria pra todos os canto inteiro do mundo. O lugar onde eu moro, antes da chegada desse pensamento maldito vindo da europa era um lugar onde ninguém era dono de nada. O povo indígena daqui sequer pensava que as coisas poderiam ser propriedade. As grandes cidades dois reinos nativos dessa terra tinham saneamento básico enquanto es europeus ainda morriam de praga. Foi o pensamento europeu que produziu o tráfico de escravizados e a escravização em escala industrial. É óbvio que tem influência desse pensamento maldito nas escolas daqui e eu é que não ia pagar por influência de Europeu. Pirateio tudo que consigo desde que aprendi a usar um computador. Nunca comprei um videogame que fosse no mercado formal. Todo o entretenimento que chegava em mim pela maior parte da minha vida era contrabando. Aprendi a contrabandear desenho, filme, livro, música, tudo. Existindo de uma maneira que possa chegar em mim sem causar nenhum tipo de dano à ninguém e sendo do meu interese normalmente de um jeito ou de outro eu faço chegar. Nunca me faltou comida, nunca me faltou casa, nunca me faltou carinho, nunca me faltou amizade, nunca me faltou bebida enquanto eu quis beber e nunca me faltou droga enquanto eu quis usar. Muita coisa me faltou é óbvio, se não tivesse faltado nada eu provavelmente não estaria escrevendo esse texto. A expressão talvez seja mesmo uma manifestação da falta. Já faz um tempo que comecei a piratear ideia, foda-se. As vezes parece só que eu tô saindo de casa visitar um amigo, revista nenhuma pega o bagulho que eu distribuo. Assim como Sabotagem, Chorão, D2, Mano Brown, Mano Chao, Kl Jay, Ice Blue, Dexter, Raul, Elis, Ursula, Emma, Judite, Maria, Don L, Fabrício, Djonga, Oreia, Micail, Carlos, Ailton, Fred, Malcom, Tupac, Prudon, Fucô, Gilles e tantos outros sujeitos que tinham nomes que eram só deles saio todos os dias da minha casa com a cabeça cheia de ideia. Ideia das mais avançada misturando pensamento de todas as linhagens que eu já encontrei, tenho ideia japones, ideia chinesa, ideia celta, ideia nórdica, ideia angolana tenho pouca ainda, ideia yoruba peguei algumas, ideia indígena só dos livro, tenho umas ideia de rua também, ideia de calçada, ideia de beira de estrada, ideia de médico, ideia de doutor, ideia de cracudo - te falar inclusive: tem uns cracudo ai que tem umas ideia muito melhor que muito trabalhador que os cracudo tem bastante tempo pra pensar e pensa com muito mais qualidade do que qualque filho da puta ingomadinho que nunca conheceu a rua. A escola pode até ensinar como é que pensa, mas o que afia o pensamento mesmo é a rua é na rua que a gente descobre qual é o pensamento que corta e qual é o pensamento cortado. Também é na rua que a gente vê quem é que corta, como corta e porque é que corta tudo aquilo que corta.
Conheço muita coisa de primeira mão e outras só em versões simuladas. Levo tudo comigo e compartilho sempre que me parece pertinente só o que me parece pertinente, nem todo mundo tá pronto pra todas as ideias. Tem ideia que machuca, tem ideia que deprime, tem ideia que desencoraja, tem ideia reflete, tem ideia que rebate, tem ideia que ecoa e cada um desses movimentos vem com as suas próprias dores. Qualquer ideia dói, é da natureza da ideia doer, a ideia é um músculo e a ideia precisa de exercício. Conheci muitos outros tipos de tráfico, armas, droga, influência e o que escolhi praticar foi o de ideia, não de informação, nem de opinião só o que eu distribuo são as ideias. Nem toda a ideia é boa, nem toda ideia faz bem, tem ideia que destrói a vida e dessas não compartilho. Entrego só ideia boa, de gente que fez coisa legal e maneira. Tenho inclusive umas ideia de Jesus, umas que judeu, umas de islâmico, umas de evangélico, todos de uma maneira ou outra pensam sobre Jesus, tenho algumas ideias mais simples de Jesus também, algumas de beira de esquina, algumas de quintal, algumas de casa de bacana e algumas de quem dorme ao relento. Tem bastante ideia de Jesus por ai, nem todas são boas e algumas podem ter sido falsificadas seja na fonte ou na distribuição. A gente precisa tomar cuidado com os lugares de onde tira as ideias que usa. Nem toda ideia vem pura. A minha mesmo passa por mim, que faço um filtro do que penso que vale ou não ser repetido e que repito do meu próprio modo e do meu próprio jeito. No grupo de mediação a gente estudava maneiras de ativar a percepção dos espectadores frente a um trabalho de arte. Eu não era o mais aplicado teoricamente dos pesquisadores. Perto de algumas das minhas amizades meu arcabouço teórico é pequeniníssimo. Sempre ouvi muito bem e sempre fui bom em conectar os pensamentos.
Minha maior dificuldade com a arte sempre foi a parte de despertar o interesse, talvez essa seja a parte mais difícil mesmo. Consigo entreter por muito tempo um interessado, os desinteressados não costumam gostar muito de mim. Não sou muito bom de olhar pra quem não gosta de ser visto. Me mostro bastante. Tenho muitas ideias sobre mostrar também, o que, como, de que jeito, pra quem já pensei na ideia por muitos âgulos diferentes. O jeito que encontrei no momento é esse, escrevendo, publicando e falando que faço isso. Se algum idiota já conseguiu algo assim antes, pode ser que eu também consiga.
Não trabalho com influência, trabalho com confluência e as coisas vão confluindo conforme as possibilidades. Será que Hegel teria orgulho de você? Essa é uma pergunta que as vezes me faço, você já se perguntou o que Jesus acharia da sua caminhada? O que ele te diria se te encontrasse? Você já pesou teu coração contra uma pluma pra ver qual que pesa mais? Tu já em algum momento da tua vida pensou sobre o significado de alguma metáfora? Tu entende o que é um conceito? Tu tem alguma ideia da quantia de ideia que tu carrega? Tuas ideias foi tu que escolheu ou foi alguém que te entregou? onde foi que tu encontrou com as tuas ideias? em que momento tu começou a pensar como pensa? tu por um acaso sabe como funciona a estrutura do teu próprio pensamento? tu sabe qual a constituição de um pensar? tu entende mesmo o que significa a lógica? será que o que tu escreve faz algum sentido? essas são todas perguntas que já me fiz. Eu não fui o único a fazê-las e nem o único a elaborar respostas pra qualquer uma delas. Entender não é nada muito diferente de organizar e uma parte importante da organização entender onde se está, o que se tem e o que se pode fazer com isso. A lógica começa depois da organização e é por isso que nos ensinam tanta lógica e tão pouca organização.
Ainda não li Camões, ninguém nunca me disse pra ler na escola e até agora nunca tinha pensado muito sobre ele. Eu sou só um cara que é filho de um cara. Não nasci em Portugal, não servi ao exercito do império, não recebo nenhuma pensão real, não sou proprietário de uma pessoa escravizada, não sou como Camões. Nenhum rei gosta de mim e não tenho de maneira nenhuma a intenção de romantizar um processo maldito como o da colonização. Não tenho a pretensão de romantizar nada, apresento as coisas como elas são e nada mais do que isso. Me apresento como sou também. Fruto de um conjunto tão profundo e gigantesco de historias que aconteceram antes e depois do meu nascimento. Histórias entrecruzadas e entrecortadas de sangue que corre e escorre por cima desse maldito cemitério indígena que chamamos de brasil. Esse construto cruel e violento que apesar de todas as suas tentativas não consegue reprimir as belezas selvagens dessa terra.
Nos morros, nas calçadas, nas esquinas, nas vilas e vielas desta terra artistas dos mais variados tipos e formatos transformam o mundo com as mãos, com as bocas, os ouvidos e os olhos. Ao longo de nossa história um sem número de artistas foi preso e assassinado pelos mandados do império, da ditadura, da república e da nossa linda e bela democracia burguesa. Milhares de livros, poesias, quadros, canções e telas cortados pela raiz todos os dias em todas as periferias desse país continental cujo centro é uma megalópole nojenta com cheiro e esgoto e rios poluidos.
E eu sou só mais um desgraçado que foi entregue no nascimento à essa instituição podre que chamamos de brasil. Escrevo prosa e poesia, canto, desenho e pinto. Planto, leio, falo e planejo.
Não sou nenhum Camões e nem tenho a intenção de ser.
Camões pode até ter sido um sujeito bacana de portugal mas por mais bacana que tenha sido, ele ainda é portugues e eu quero mais é que portugal se fodam.
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Delírios
Escrevendo pequenos textos que misturam verdade e mentira do jeito que só consegue todo aquele que entende que elas são a mesma coisa ele perde dias e dias em frente a um computador. Lê sobre o que se escrevia a cinquenta, vinte, trinta, cem, duzentos, dois mil, três mil e até dezesseis mil anos atras. Lê sobre o que era escrito com imagens que representavam ideias inteiras, com marcas que representam sílabas, e com letras que representam sons. Percebe que a sintaxe oficial é uma regulação do sotaque da palavra escrita. Uma restrição às possibilidades de sons que as letras são capazes de fazer e da maneira certa de falar e ouvir estes sons. esse e este não são palavras diferentes como não são voce, você, vosse e vc. percebe que as palavras não são o som que representa elas e sim a ideia que elas mesmas representam. o mais importante é o conceito e não o modo como ele é representado é o que dizia meu professor de semiótica nas aulas de semiótica. Ele também recomendava a leitura de um livro chamado Semiótica Visual: Os percursos do olhar. A aula de semiótica na faculdade tratava da introdução desse livro. O autor, o Antônio Vicente Pietroforte apontaria que a apresentação de um conceito é elemento constitutivo da sua significação. ou seja, o modo como algo é dito ou feito transforma o significado desse fazer. Falar de amor estando de barriga cheia é completamente diferente de falar de amor de barriga vazia. um assassinato dentro de uma vila é completamente diferente de um assassinato na frente de um prédio porque sendo a mesma coisa em lugares diferentes não são produto de um mesmo conjunto de condições e apesar do tanto que repetimos a ideia de que a ordem dos fatores não altera o resultado a própria matemática nos demonstra a realidade dessa ideia. Em uma equação com mais de uma operação, elas não são processadas de maneira simultânea e se processa sempre em uma ordem específica de acordo com o tipo de operação, se você calcular as somas antes de calcular as multiplicações e as divisões o resultado da equação sera completamente diferente do que seria se as operações fossem executadas sempre de acordo com o modo como são apresentadas. Porque é que alguém apresentaria em texto ideias contraditórias ou em ordens equivocadas? sentado em sua cadeira ele se pergunta porque é que alguém mente enquanto se pergunta porque é que alguém diria a verdade.
Reflete, o que muda com a mudança de um tom não é a representação é a adpresentação. o que muda entre um sussurro e um grito é o volume de um conceito é o espaço que ele ocupa momentaneamente no meio através do qual é comunicado. Não é tão difícil assim elaborar uma equação. Os interlocutores também transformam um texto, um mesmo conjunto de palavras escritas em um livro e escritas em um poste contam histórias completamente diferentes porque existe ai uma transformação no volume inclusive na grandeza dos interlocutores. grandeza não é uma coisa que se mede, é algo que se percebe. algo que altera de maneira significativa uma equação. e uma equação não é nada mais do que um conjunto de elementos. Tô lendo Hegel e acho que o jeito dele de compreender e organizar a realidade é interessantíssimo apesar de profundamente chato e difícil de entender. tô lendo Hegel no kindle e com uma frequência enorme preciso pausar a minha leitura pra ler a definição de alguma palavra no dicionário porque mesmo as palavras que conheço por vezes tem usos completamente diferentes de acordo com o contexto onde são elaboradas.
matemática é a ciência que estuda, por método dedutivo, objetos abstratos e as relações existentes entre eles. matemática é filosofia. fazer conta é outra coisa. fazer conta é manipular a realidade. fazer conta é saber exatamente o que precisa estar em qual lugar, com que frequência e em qual volume para que se obtenha um resultado específico. fazer conta é perceber o que precisa ser levado em conta e o que pode ser ignorado. matemática é uma redundância da filosofia ou uma redução da própria. Percebe a especialização das ciências às castra e se pergunta se isso é verdade ou mentira.
Se pergunta se escreve sobre sí ou sobre um outro e percebe que nesse texto isso não é importante. Se dá conta do lugar onde está, dos sons que escuta nos arredores, do modo como a luz entra pela janela, do gosto que isso tudo tem na boca, do interior do próprio estômago e de uma maneira um tanto vaga de todas as outras coisas que aconteceram pra que esse momento exato acontecesse. Se dá conta do tamanho do agora e do quanto isso tudo é maleável. Se da conta de seus pensamentos e de todos os cálculos que fez e faz todos os dias sem muita atenção. Pensa sobre as equações das quais participa e do produto dessa participação. pensa sobre o que quer e sobre o que pode, pensa sobre as ideias de stress, de elasticidade, de velocidade, de força e de potência. pensa sobre elas e sobre sí mesmo, pensa sobre o que te importa e sobre o modo como organiza e relaciona os fatores que constróem o produto que se é.
esquece a matemática da escola e organiza as tuas conta.
a ideologia não é um fator fundamental da matemática em sí e é um fator fundamental da matemática que é publicamente ensinada no que na minha época chamava de ensino fundamental e médio. se aprendi a estudar por método dedutivo objetos abstratos e a relação entre eles, não aprendi a abstrair. Encontrei a abstração no que acreditava ser o oposto da matemática aos poucos percebi que não existe cálculo mais complexo do que o necessário para a atividade linguística, inclusive porque são pouquíssimos os dispositivos capazes de medir a efetividade de uma operação comunicativa. e esse é o problema que algumas pessoas tem com o campo das humanidades onde todas as grandezas são variáveis e estão de uma maneira ou outra interconectadas. uma etnografia é o processo de investigação feito por antropólogos e sociólogos afim de compreender quais são as principais grandezas que constróem os produtos de um conjunto humano e de qual maneira elas se relacionam em diferentes conjuntos. não é tão difícil assim, como também não é tão difícil assim fazer este mesmo tipo de operação em madeira, metal ou qualquer tipo de objeto sujeito ao processo de manipulação matemática. sim da pra derivar a força aplicada à uma viga de ferro e da pra derivar os modos de se dizer uma mesma coisa; o pessoal do teatro sabe disso desde que o mundo é mundo. a ideologia é o que nos faz subestimar um ou outro campo do saber humano e discriminar entre objeto sujeito e método de estudo.
e a essa altura já não se sabe mais se temos respaldo científico ou se essas são apenas as elucubrações de um maluco que na falta de coisa melhor pra fazer escreve.
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Nenhum pesadelo é pior do que a realidade.
Em algum lugar do mundo uma criatura coloca uma coisa muito pequena e esférica em um pedacinho muito pequeno de terra com materiais apodrecidos. A esfera era um pedacinho bem pequenininho de vida em potêncial, dentro dela existe um pouco do que é necessário para que a vida se desenvolva. Dentro da terra a esfera se alimenta do que precisa, encontra na vida desfeita os ingredientes da vida que é. Ao longo de algumas semanas a esfera cresce dentro e fora da terra e é transportada para um lugar maior. Ao longo de um período de meses uma coisa muito pequenininha fica do seu tamanho, uma esfera pequenininha se torna um ser com membros, com sistema digestivo, com fibras, filos, raízes e a capacidade de absorver a luz do sol e os gases carbônicos. Ao fim deste ciclo o ser utiliza uma parte de si e produz novas esferas de vida.
Um homem de carne e osso arranca do solo uma vida. Seu interesse são os órgãos reprodutores, que através de um processo metódico e ancestral o homem dilui em fogo afim de sentir em sí o interior da vida da planta. E dentro de sua cabeça conjura imagens que nunca queria ter visto.
Com a pele e o corpo rígidos, enrolados e rugosos; com olhos que nunca fecham na ponta dos enormes tentáculos de infinitas subdivisões de sua parte superior; com uma boca que se estende por toda a superfície de seu corpo e um sem fim narizes e gargantas que se fincam ao chão o homem de madeira percebe o mundo. Em seu jardim crescem de dentro do que existe por debaixo os mais variados tipos de corpos cheios de sangue, carne e osso; cobertos por gordura, pele e alguns pelos. Com pescoços fincados na terra e os órgãos excretores apontados para o sol eles devoram a versão desfeita justamente daquilo que comem e enchem o ar com um odor característico. Algumas delas, inchadas no meio de seus corpos são cuidadas pelo homem de madeira.
Com uma parte afiada de seu corpo ele atravessa a pele, a gordura e a fáscia antes que o corpo pare de estremecer, o fio atravessa as camadas de músculo e a membrana que as separa de maneira delicada e precisa. Ao fim do corte uma única camada separa o homem de madeira dos frutos daquele corpo.
Mais um corte delicado e uma parte considerável dos órgãos se encontram expostos, pungentes e pulsantes. Dentre todas as partes móveis de dentro do corpo se encontra uma pequena bolsa translúcida onde dormem dentro de um líquido viscoso outros dois pequenos corpos, cada um deles com uma cabeça no fim do pescoço e quatro membros nas extremidades. A cabeça conta com olhos fechados; um nariz pequeno e arredondado; duas orelhas de cartilagem; alguns fios de cabelos claros e uma boca. Quando a bolsa se abre o líquido escorre e os frutos do corpo são aparados por uma parte macia do homem planta que volta à eles seus olhos.
Os frutos são ótimos condutores de eletricidade, e possuem uma série variada de tecidos, proteínas e vitaminas que são usados pelo homem árvore em diferentes processos. Agora o homem árvore fara um novo corpo e um adubo.
O corpo é feito a partir da remoção de todos os membros do fruto, seus olhos uma iguaria. Um corte é feito naquilo que existe por debaixo e as cabeças são enfiadas em uma pasta de textura fibrosa e cheiro forte que a partir deste momento é excretada pelo outro lado corpo; fazendo do fruto um corpo em crescimento. O adubo é feito com pouca ou nenhuma cerimônia. Os frutos são amassados por uma parte firme do homem até que se tornem uma pasta viscosa com pequenos cristais.
Em um mundo onde a Nestlé é responsável direta pela morte de um número considerável de bebês alguém vomita.
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