Um relato subjetivo de uma ação interessante.
No ano de 2024 escrevi um projeto que foi contemplado com recursos da Política Nacional Aldir Blanc pela prefeitura do município de Taquari, no Rio Grande do Sul. Nem sempre a realidade acontece igualzinho o planejamento e nesse caso ela aconteceu de uma maneira razoavelmente diferente.
A proposta era usar o espaço que tenho aqui na frente de casa como sala de aula pra trabalhar os fundamentos do desenho com jovens e adultos. Divulguei pelas redes sociais, pelo boca a boca e apesar de que algumas pessoas tenham demonstrado interesse nenhuma se comprometeu com a participação até o momento em que a divulgação chegou no EMEF Pedro Pereira Machado onde fui muito bem recebido pela direção que acolheu o projeto de braços abertos. Elas me apresentaram os horários que os alunos tinham disponíveis, me ofereceram uma sala e lá fui eu na quinta-feira seguinte.
A turma era composta por estudantes do quinto ao nono ano do ensino fundamental e logo percebi que já existiam entre eles uma série de dinâmicas estabelecidas que seriam relevntes para o desenvolvimento do trabalho.
No que diz respeito ao desenho a turma era bastante variada, a maior parte das crianças se encontravam na etapa do desenvolvimento do desenho onde se desenha o que se sabe sobre a aparência das coisas ou como se imagina que elas deveriam ser. Os desenhos eram representativos de ideias e se encaixam no que autores como Piaget chamam de esquematismo, um desenho capaz de comunicar uma ideia simples. As capacidades motoras variavam dentro de uma curva normal, com dois casos específicos de alunos que demonstravam dificuldade no controle da estabilidade das linhas sem o uso de força excessiva. quatro dos estudantes demonstravam um desenho que já se encaminhava à figuração realística, elaborando desenhos que se pareciam menos com a ideia das coisas e mais com as coisas em sí.
As crianças se demonstraram bastante atentas e exceto por pequenas interrupções participavam dos encontros de maneira ativa, com os eventuais testes de autoridade que são comuns à idade. O grau de habilidade social e comunicativa dos alunos variava em grande quantia entre a timidez e a desinibição. E enquanto eu os conhecia pra direcionar os exercícios e os conteúdos à um caminho que lhes fosse interessante eles também me questionavam e perguntavam afim de entender meus meios e motivações. Aos poucos pude perceber alguns padrões de comportamento que se repetiam em determinados alunos que me ajudaram a construir abordagens adequadas a cada um deles. Afim de ilustrar essa adequação aponto dois casos específicos onde um problemas semelhantes foram manejado de maneiras específicas de acordo com a personalidade percebida e a relação construída com os estudantes em questão. O que havia em comum entre as pessoas em questão era a expressão de uma grande frustração com as próprias capacidades que se manifestava tanto de maneira verbal quanto física.
O primeiro caso é o de um menino do sétimo ano que percebi ao ouvir dele afirmações como: "se tivesse um concurso pra decidir o desenho mais feio o meu ia ganhar" ou "não vou conseguir então não vou nem tentar". A frustração também se demonstrava nele de maneira atitudinal, o receio de que o seu melhor não fosse o suficiente colocava ele numa posição de desleixo com a execução dos exercícios. E esse foi o sintoma abordado, tentei ao longo dos encontros encorajar o aluno a tentativa, evitando a punição de erros e orientando a melhora de acordo com as necessidades percebidas pelo olhar do próprio aluno que não se sentia satisfeito com os desenhos que produzia. Ao final do período da oficina ele parecia mais participativo, mais animado e mais criativo com a prática do desenho. Explorando tecnicas e possibilidades.
O segundo caso é uma menina do nono ano que frequentemente amassava os próprios desenhos e os jogava no lixo sem deixar que ninguém visse. Após algumas conversas percebi que ela tinha vergonha de não ser tão boa quanto gostaria e abordei esta frustração de maneira direta. Indicando maneiras de melhorar os desenhos e incentivando novas tentativas em conjunto de um feedback direcionado para que ela atingisse melhores resultados levando em conta as suas capacidades atuais, seus desejos e os conteúdos abordados em aula.
As questões de coordenação motora foram abordadas a partir de exercícios tecnicos que focavam no controle da pressão e na precisão dos traços.
Os alunos demonstraram um interesse crescente na atividade do desenho e um dos momentos mais interessantes do percurso de oficineiro veio em um dos últimos encontros onde um exercício de composição acabou se tornando, por proposição dos próprios alunos um exercício de contação de histórias através do desenho. Ali surgiram histórias de amizade, de solidão, de curiosidade, de esporte e de contemplação. Foi um festival de auto-expressão e honestamenete me senti bastante feliz com os resultados. Na tentativa de organizar com os alunos uma exposição percebi um certo desinteresse dos mesmos na elaboração de uma exposição com uma temática e na produção de trabalhos pra isso e em uma conversa com a supervisão da escola decidimos fazer uma exposição com os desenhos já produzidos, demonstrando desenhos que eram representativos dos treinos e das explorações que ocorreram ao longo dos encontros.
Na minha penúltima visita à escola fizemos uma roda de conversa onde apresentei aos participantes as minhas percepções do desenvolvimento de cada um, de suas personalidades, suas capacidades de resolver problemas. Conversamos sobre desenho e ouvi também o feedback dos alunos sobre mim, sobre os exercícios e também sobre meu estilo como professor. De todos os lados sinto que a experiência foi positiva.
Devido a mudança que aconteceu no cronograma do projeto e a um conflito com um outro trabalho acabei me ausentando da cidade no fim de semana onde aconteceu no E.M.E.F. Pedro Pereira Machado a exposição dos trabalhos dos alunos. A exposição foi montada com exercícios desenvolvidos ao longo da oficina que demonstravam o percurso dos alunos ao longo do processo de aprendizado.
Ao longo do período das oficinas foi desenvolvido também um livreto de instruções de desenho no formato A6 no qual abordo os mesmos temas abordados nas oficinas e ofereço uma série de exercícios extras para que os alunos continuem pensando e praticando desenho após a finalização dos encontros. Este material está disponível aqui. A palavra aqui no final da frase anterior é o link para o download no caso. Gostei muito de executar do projeto e eventualmente acho que falo mais sobre ele por aqui, no mais é isso. Abraço querides! Até a próxima!
Que projeto legal, adorei o relato e a iniciativa!
ResponderExcluirEu tava digitando pelo celular e voltei aqui para fazer um comentário apropriado. Adoro projetos e parcerias que acontecem dentro de escolas, para formação complementar ou seja lá qual outro nome. Não pude deixar de lembrar de Blue Period durante seu relato. Acho que exige muita maturidade sua tbm pra lidar com os dilemas dos alunos. Eu sofro das mesmas inseguranças, só que diferente delas, nunca infrentei as minhas, deixei elas me pararem. Acho que estar fazendo esse processo em conjunto e com um mentor, acaba ajudando a lidar melhor com essas inseguranças. Eu fiquei curiosa para ver as produções dos alunos.
ExcluirOi Lana! Também não sei muito como essas coisas chamam, fico feliz em poder fazer essas coisas por aqui porque na minha vez precisei ir bem longe pra poder estudar desenho e pintura e essas coisas. Foi uma baita vibe executar o projeto na escola e foi uma super experiência pra mim também era muito legal ir vendo o que funcionava ou não com os alunos, o que empolgava eles e as maneiras como fui aos poucos conseguindo espaço de fala e de escuta, não sei, acho bem legal. Gosto muito de aprender coisas com gente que já sabe porque no fim é uma baita ajuda que a gente recebe na hora de começar o caminho, tive ótimos professores no percurso e as vezes me pego tentando imitar eles, é engraçado. Sobre os desenhos dos alunos, fico um pouco em dúvida porque não sei se é legal com eles trazer os desenhos deles pra internet e essas coisas mas vou pensar sobre isso talvez eu organize um textinho mais específico sobre os desenhos e traga pra cá! Enfim, obrigado pelo salve ^^
ExcluirGostei muito do seu projeto e a forma que narrou! Acredito que deve ter feito muita diferença pra esses estudantes
ResponderExcluirFico feliz que tu tenha gostado! Acho que foi um período legal, fez bastante diferença pra mim também! ^^
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